Num sobrado de Copacabana, quatro mulheres e dois homens se reuniam em silêncio, com os olhos fechados e as cabeças baixas.
A sala ampla que ocupavam sobressaía pela austeridade.
Quase não havia móveis, somente um par de armários, meia dúzia de cadeiras e duas mesas.
As paredes claras exibiam um retrato solitário de Jesus. Do teto, irradiava uma luz a
As mesas, simples e de plástico, se assemelhavam às de um boteco.
Como estavam justapostas, formavam um retângulo branco, sem toalhas.
O grupo se sentava em torno dele.
Um aparelho portátil de som, instalado num canto da sala, tocava uma música clássica bem suave.
Em cima das mesas, espalhavam-se folhas de papel sulfite, canetas esferográficas, lápis de cor, pincéis, tintas guache, um pote com água e quatro livros
– três de Allan Kardec e um de Chico Xavier, ambos figuras essenciais do espiritismo.
Passava um pouco das 18h30 quando Isabella Maltaroli, a dirigente daquela
sessão mediúnica, ergueu a cabeça. Com uma lanterninha, iluminou um caderno em que se enfileirava uma série de nomes, ora de pacientes hospitalizados por causa da Covid-19, ora de pessoas que não resistiram à doença e morreram.
A lista também incluía médicos e enfermeiros que combatiam o novo coronavírus dentro das UTIs fluminenses. Na ocasião, dia 3 de abril, sexta-feira, o Brasil registrava 359 óbitos decorrentes do patógeno, segundo o Ministério da Saúde. O Rio de Janeiro contabilizava 47.
A enfermidade provocava apenas os primeiros estragos por aqui. Praticamente três meses depois, em 24 de junho, os números saltariam para 53 830 no país e 9 295 no Rio.
“Vamos lá?”, perguntou Maltaroli, sem esperar propriamente uma resposta. Ela se aprumou na cadeira e começou uma prece improvisada, em voz alta.
Pediu que “os amigos desencarnados” comparecessem à reunião, harmonizassem “as energias” da sala e inspirassem cada um dos presentes.
Rogou, ainda, que zelassem pelos brasileiros durante toda a pandemia.
Tais amigos são os espíritos moralmente superiores que guiam aquele centro religioso – o Lar Paulo de Tarso – desde a fundação, em dezembro de 1983.
Depois da prece inicial, a dirigente enunciou um dos nomes que figuravam no caderno. Explicou de quem se tratava e lhe dedicou uma oração curta, novamente improvisada e em voz alta.
Os demais participantes acompanharam a reza com atenção, mas sem falar nada. O ritual se repetia sempre que Maltaroli citava um nome da lista.
Quando mencionava o de alguém que morrera, os devotos aguardavam alguns minutos após a oração
– tempo necessário para que o espírito do morto se manifestasse, caso houvesse condições.
Entre os seis participantes, estavam dois médiuns. Seria por meio de um ou de outro que o morto se comunicaria.
Em sessões do gênero, conforme a doutrina espírita, a alma dos médiuns mostra-se capaz de abandonar parcial ou totalmente o corpo, à maneira de uma sombra que se descola do organismo que a gerou.
O afastamento ocorre numa fração de segundos e quase ninguém de carne e osso o enxerga. Mal o fenômeno acontece, um fio de energia prateado – e igualmente invisível
– passa a ligar o corpo dos médiuns à sua alma, como um cordão umbilical.
Espíritos de mortos que desejam se pronunciar conseguem, assim, estabelecer uma triangulação com os vivos.
Endereçam mensagens para a alma, que as leva até o corpo dos médiuns.
Eles podem retransmiti-las instantaneamente e de diferentes modos:
pela fala (psicofonia), por desenhos e pinturas (psicopictografia) ou pela escrita (psicografia).
Daí os pincéis, lápis, canetas, tintas e sulfites que repousavam nas mesas do Lar Paulo de Tarso.
Ao longo do processo, os médiuns raramente perdem a consciência.
O mais comum é que permaneçam tão lúcidos a ponto de censurar as mensagens que julgam inapropriadas e não passá-las adiante.
Naquela noite, os espíritos pareciam relutar em dizer qualquer coisa.
Logo depois de uma oração, porém, um dos médiuns – grisalho, quarentão e gorducho – deu a impressão de que caíra no sono. Isabella Maltaroli se levantou e caminhou para perto dele.
“Ei, querido, vamos acordar?”
, propôs, carinhosamente, ao perceber que se tratava de um espírito que não sabia ter desencarnado.
Ela queria avisá-lo. O médium, ainda de olhos cerrados, resistiu:
“Me deixa! Está gostoso assim…”
A dirigente não recuou: “Acorde, meu bem!
Vamos conversar um minutinho. Bora lá!” Sem alterar a voz habitual, mas assumindo uns trejeitos inusuais, o médium resmungou:
“Quem é você?
Não me enche!” Maltaroli respondeu:
“Sou uma amiga.
Acho que vou pegar um balde d’água para jogar em você.
Água gelada, que tal? Você vai acordar rapidinho.”
Mesmo contrariado, o médium – ou o espírito que se expressava pela sua boca – resolveu abrir os olhos. “Peraí!
Estou sonhando?”, indagou.
“Não, não é um sonho”, esclareceu a dirigente.
“É o quê, então?! Não me diga que… Eu morri?
O coronavírus me matou?” Maltaroli procurou tranquilizá-lo: “Você não morreu, querido. Continua vivo, vivíssimo, mas de outro jeito.
Você apenas desencarnou.” O espírito refutou, enfaticamente:
“Besteira! Não acredito em nada disso. Sou ateu!” A dirigente sorriu: “Olhe para si próprio. O que vê? O corpo de outra pessoa, não?
O de um médium… Cadê o seu?” O espírito observou ligeiramente o homem que lhe servia de mensageiro e admitiu:
“Não sei… Será que enlouqueci?”
Maltaroli o acalmou de novo: “Não enlouqueceu! Juro! Você só retornou para o plano espiritual, de onde todos viemos.”
Codificado pelo francês Allan Kardec durante a segunda metade do século XIX, o espiritismo chegou ao Brasil em 1865.
À época, o jornalista e professor Luiz Olympio Telles de Menezes fundou em Salvador uma comunidade que estudava a doutrina.
De acordo com o Censo mais recente, a religião somava 3,8 milhões de adeptos no país há dez anos, algo como 2% da população geral.
Os católicos eram 65%, e os evangélicos, 22%. Atualmente, 12 milhões de fiéis abraçam a crença. A estimativa, bastante otimista, é da Federação Espírita Brasileira.
Grosso modo, a denominação – monoteísta e cristã – preconiza a existência de um mundo que está em outra dimensão e abriga os espíritos.
Quantos exatamen-te? Uma infinidade. Ou, como ensinam os devotos, “tantos quantos Deus quiser criar”.
De início, os espíritos se revelam ignorantes. Nem bons, nem ruins, nascem muito simplórios e destinados à felicidade. Só que, para conseguir atingi-la plenamente, terão de evoluir.
Precisarão encarar um longuíssimo aprendizado, que acontecerá na dimensão onde moram, mas também na Terra ou mesmo em outros planetas.
Eternos e com livre-arbítrio, os espíritos frequentemente podem decidir quando e sob quais condições irão se corporificar, embora necessitem que uma oportunidade se apresente.
Não basta, portanto, almejar a encarnação.
É imperativo que, simultaneamente, apareçam vagas entre os terráqueos. Uma vez corporificados, os espíritos tendem a esquecer a outra dimensão e se apegar à nova vida.
O ciclo de encarnações e reencarnações só termina no momento em que os aprendizes se tornam imensamente puros, éticos e sábios.
Até hoje, Cristo é o único que alcançou tal condição na Terra.
“Agora que estou morto, o que devo fazer?”
, questionou o ateu desencarnado. “Nada. Simplesmente pense em alguma coisa bonita e descanse”, orientou Maltaroli.
“Com o tempo e a ajuda de amigos, você refletirá sobre todas as lições que já aprendeu. Mas, por enquanto, não se preocupe.
Apenas recupere-se da viagem.” Bem mais sossegado, o espírito suspirou, agradeceu a dirigente e partiu.
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