O suicídio não é um ponto final.
O suicídio (Espírito do Suicida) é visto como uma solução, o ponto final de muitos sofrimentos. Mas não é essa a realidade que é encontrada pelo espírito do suicida, pois ele pode conseguir dar fim à existência do seu corpo físico, mas a verdadeira e inextinguível vida é a do espírito.
O espírito não morre, mas sente as impressões carnais enquanto existem ainda as ligações fluídicas que nos ligam ao corpo material. Além disso, a consciência sobrevive e traz as reminiscências vividas em todos os seus detalhes.
Sabemos que a maioria dos espíritos, depois que a pessoa desencarna, passa um tempo na região que André Luiz chamou de Umbral. Esse tempo é muito variável.
Pode ser de horas ou até mesmo de anos. Isso depende de como se encontra a consciência de cada um em relação às escolhas que fez em vida e às consequências que estas originaram.
Mas e com relação aos suicidas?
Existe alguma diferença?
A forma usada para tirar a vida tem algum impacto na sua existência post mortem?
As respostas a muitas dessas perguntas podem se encontradas em “O Livro dos Espíritos”, e algumas das principais informações você pode ler no post “E depois do suicídio?
O espiritismo explica o que acontece.”
Além disso, a literatura espírita traz vários relatos com as impressões pessoais dos próprios espíritos que sucumbiram ante as dificuldades da vida. Um deles pode ser lido na obra “Memórias de um Suicida”, psicografada por Yvonne do Amaral Pereira, onde Camilo Castelo Branco – célebre autor português – narra em detalhes sua sofrida experiência como suicida.
A “antecâmara” onde estagiam os espíritos recém-desencarnados.
Escritor por profissão, os relatos de suas memórias são extremamente detalhistas e intensamente vívidos. Condensamos apenas algumas observações, para que o leitor tenha uma ligeira ideia da realidade que pode ser encontrada pelo espírito de um suicida ao dar fim à vida, ou como assim ele supõe.
De acordo com as explicações de Camilo Castelo Branco, depois da morte, e antes que o Espírito consiga se orientar em sua nova morada espiritual, ele passa por um estágio numa “antecâmara”. Aí o espírito se defronta com uma região onde a densidade e as configurações locais corresponderão aos estados vibratórios e mentais do recém-desencarnado.
A permanência nesse local dura até que o espírito seja naturalmente “desanimalizado”, isto é, que ele se desfaça do restante dos fluidos e forças vitais de que são impregnados todos os corpos materiais.
Portanto, é uma estada temporária.
Mas geralmente penosa, de acordo com o caráter, as ações praticadas, o gênero de vida e o gênero de morte que teve a entidade desencarnada. Estes é que vão determinar o tempo e os sofrimentos experimentados no local descrito.
Existem, de fato, aqueles que aí apenas se demoram algumas horas. Outros levarão meses ou anos, voltando muitas vezes à reencarnação sem atingirem outras esferas da espiritualidade.
É preciso esgotar o tempo que ainda faltaria de vida na Terra.
Camilo Castelo Branco explica que, “quando se trata de suicidas, esse estágio é ainda mais doloroso e complexo. Eles aí permanecem, geralmente, pelo tempo que ainda lhes restava de vida, antes que o compromisso da existência fosse prematuramente interrompido.”
Por isso, continua, “de cada um dos espíritos que vagavam pelo vale tenebroso, de suas lembranças pendiam fragmentos de um cordão, como um cabo de fios elétricos arrebentados, do qual se desprendiam fluidos. Eram os fluidos vitais do cordão que liga a alma ao corpo carnal, que se desprende suavemente por ocasião da morte natural.
Com o suicídio, entretanto, ele não é desligado, mas sim partido, cortado abruptamente. Assim, todas as reserva de forças magnéticas e os fluidos vitais que se esgotariam com o tempo fazem com que o suicida se sinta um ‘morto-vivo’, sofrendo todas as penosas sensações físicas, até que se esgotem todas as reservas dessa força vital.”
Assim, eles têm ainda uma grande carga de forças vitais, além de uma severa desorganização mental, nervosa e vibratória. Na penosa estada nessa antecâmara espiritual, “é fácil entrever qual será a situação desses infelizes para quem um só bálsamo existe: a prece das almas caritativas!”
A dura realidade que é encontrada pelo espírito do suicida.
Para aqueles que se perguntam se existe algo, se pode ser sentida alguma sensação depois da morte, Camilo Castelo Branco rememora, para quem se interessar, a sua própria experiência.
Acreditando que daria fim a todos os seus problemas e desgostos, mal imaginava ele o que se passaria em seguida ao seu ato premeditado. Segundo ele, “lutas infinitamente mais vivas e mais ríspidas” o esperavam.
O protagonista descreve a sua situação.
“Os sentidos, as faculdades que traduzem o ‘eu’ racional, paralisaram-se como se indescritível cataclismo houvesse desbaratado o mundo, prevalecendo, porém, acima dos destroços, a sensação forte do aniquilamento que sobre meu ser acabara de cair.
Fora como se aquele estampido maldito, que até hoje ecoa sinistramente em minhas vibrações mentais sempre que, descerrando os véus da memória, como neste instante, revivo o passado execrável – tivesse dispersado uma a uma as moléculas que em meu ser constituíssem a Vida!
A linguagem humana ainda não precisou inventar vocábulos bastante justos e compreensíveis para definir as impressões absolutamente inconcebíveis, que passam a contaminar o ‘eu’ de um suicida logo às primeiras horas que se seguem ao desastre.”
A consciência recobrada faz aumentar a incompreensão e o medo.
Mas, pouco a pouco, ele sentiu ressuscitar da confusão sombria o “atributo máximo” que Deus concedeu aos homens: a consciência, a memória, o divino dom de pensar.
Sentindo-se vivo, reviveu, então, mentalmente toda a sua vida, mas lastimou-se ainda mais por não ter conseguido o que desejava. Pois acreditava, sem poder ver, que estivesse em algum hospital.
Além do mal-estar generalizado e do frio enregelante, uma dor lancinante logo se fez sentir. Sentia o sangue correndo na região do ouvido direito. Era o orifício feito pelo projétil da arma de fogo, revoltado que estava pela cegueira que o acometera.
Mas por mais que chamasse por familiares e amigos, por médicos e enfermeiros, os seus apelos não eram respondidos. Era só o silêncio, surpreendente e enervante que, aos poucos, foi sendo encoberto por um vozerio ensurdecedor, de gritos, de uivos, de gemidos.
E o terror só aumenta, diz Camilo, ao perceber a profundidade do erro, o caminho sem volta ao qual se arrojou, “na certeza de que ultrapassou os limites das ações que lhe eram permitidas praticar”.
O espírito do suicida toma consciência de seu ato, frente à realidade encontrada.
A confusão só crescia, e ele não entendia porque se encontrava ali. E ele pensava: “como viera, pois nenhuma lembrança me acorria?… E o que viera fazer sozinho, ferido, dolorido, extenuado?… Era verdade que ‘tentara’ o suicídio, mas…”
Então, um “sussurro macabro” esclarecia a mente aturdida: “Não quiseste o suicídio?… Pois aí o tens…”, ecoava a sombria constatação em seus pensamentos.
A mente confusa continuava tentando ter um mínimo de compreensão da insólita situação em que se encontrava: “Mas, como assim?… Como poderia ser… se eu não morrera?!…
Acaso não me sentia ali vivo?… Por que então sozinho, imerso na solidão tétrica da morada dos mortos?!…”
Camilo, não entendendo como podia entrever em meio às sombras da cegueira que o rodeavam, narra os horrores de descobrir-se em cova recentemente fechada num cemitério.
Então, ele se viu como num espelho, estirado num ataúde, o corpo em estado de decomposição, morto, dentro de uma sepultura.
O momento do suicídio, revivido ininterruptamente.
Em seguida, ele se une a um grupamento que perambulava também em míseras condições. Todos traziam estampadas as condições e as deploráveis consequências do gênero de morte escolhido, por causa das vibrações mentais que permaneciam como chagas vivas.
“A mente edifica e produz. O pensamento – já bastantes vezes declararam – é criador, e, portanto, fabrica, corporifica, retém imagens por si mesmo engendradas, realiza, segura o que passou e, com poderosas garras, conserva-o presente até quando desejar!”, explica Camilo.
“Cada um de nós, no Vale Sinistro, vibrando violentamente e retendo com as forças mentais o momento atroz em que nos suicidamos, criávamos os cenários e respectivas cenas que vivêramos em nossos derradeiros momentos de homens terrestres.
Tais cenas refletidas ao redor de cada um, levavam a confusão à localidade, espalhavam tragédia e inferno por toda a parte, seviciando de aflições superlativas os desgraçados prisioneiros.”
As imagens mentais do ato final ficam refletidas no ambiente.
Nesse tétrico cenário, o protagonista descreve as imagens que se refletiam no ambiente. Elas consistiam de todas as formas que cada um havia utilizado para pôr fim à vida.
Eram as imagens mentais do derradeiro momento, rememoradas interminavelmente. Assim, apareciam subitamente em meio às vielas rios caudalosos, mares revoltos e trens fumegantes.
Mas não eram não só as cenas que eram revividas.
Também eram revividos os sentimentos desesperados do sofrimento e do arrependimento, quando não mais havia retorno possível.
Assim, expunha-se à visão de todos os companheiros de agruras extremas as trágicas recordações. Aqueles que haviam se enforcado tentavam se livrar das cordas asfixiantes.
Outros gritavam por socorro, tentando apagar as chamas que sentiam ainda arder no corpo perispiritual. Aqueles que sentiam a asfixia do afogamento buscavam com os braços encontrar uma tábua salvadora.
O envenenamento trazia ainda a sensação do suplício das dores causadas pelo tóxico ingerido. E outros, ainda, tentavam estancar o sangue que jorrava de feridas abertas.
Esses cenários aterradores levavam todos a um estado de loucura coletiva.
E para agravar os martírios das sensações do corpo físico, somavam-se a eles as penas morais: o remorso, a saudade dos familiares e amigos. E, além disso, persistiam os mesmos dissabores que haviam levado ao ato extremo e que continuavam a causar aflições.
Se não bastasse, o protagonista relata o que ele chama de penas físico-materiais: a fome, o frio, a sede e as necessidades fisiológicas; a fadiga, a insônia e a fraqueza. E a angustiante visão do cadáver se decompondo.
Um bondoso alerta sobre o “abismo das malvadas seduções”.
Camilo Castelo Branco, em sua existência terrena foi um dos maiores escritores portugueses. Ele explica que, com esta sua autobiografia espiritual, não pretende “apresentar obra literária para deleitar gosto e temperamento artísticos.” Outrossim, ele objetiva lançar um aviso sobre a aterrorizante realidade encontrada pelo espírito do suicida.
“Cumprimos um dever sagrado, tão-somente, procurando falar aos que sofrem, dizendo a verdade sobre o abismo que, com malvadas seduções, há perdido muita alma descrente em meio dos desgostos comuns à vida de cada um!”, exclama o protagonista das sofridas lembranças.
E o alerta importante fica para todos nós que, na reencarnação em curso, muitas vezes descuidamos desse bem que temporariamente possuímos: o nosso corpo.
“O envoltório carnal – esse templo, ó meu Deus, que o Divino Mestre recomenda como veículo precioso e eficiente para nos auxiliar na caminhada em busca das gloriosas conquistas espirituais!”, atesta Camilo Castelo Branco.
Noemi C. Carvalho